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Saúde Mental na Atenção Básica: política, trabalho e subjetividade.

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Entre 2003 e 2006, o Ministério da Saúde promoveu pelos respectivos fóruns das comissões de saúde das três esferas de governo- municipal, estadual, federal, movimentos a fim de consolidar e expandir o SUS. Uma confluência das diretrizes se deu no Pacto pela Saúde, assinado em 2006. Nesse mesmo ano, assinou-se a Política Nacional de Atenção Básica, apresentando a estratégia da saúde da família como norteadora da organização dos serviços voltados para atenção às necessidades da população que vive no território adstrito à Unidade Básica de Saúde (UBS)/Centro de Saúde.A gestão municipal do SUS-Belo Horizonte, campo de nossa pesquisa, em consonância com as diretrizes nacionais, afirma que 75% das demandas de saúde deverão ser acolhidas na rede de Atenção Primária à Saúde,  hoje composta por 145 Centros de Saúde. Os profissionais alocados nos Centros de Saúde do SUS-BH que compõem as equipes de Saúde da Família (SF), são: médicos clínicos; enfermagem; auxiliares; agentes comunitários de saúde, trabalhadores generalistas da saúde da família, que deverão se responsabilizar pelo acolhimento e tratamento da população moradora no território circunvizinho à unidade.Pacientes e familiares, os moradores do território onde se localiza o respectivo Centro de Saúde, deverão ter as equipes de SF como referência para suas demandas de saúde. Neste sentido a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte organiza a rede de Atenção Primária à Saúde, onde o Centro de Saúde, “é a porta de entrada para atender a qualquer demanda da população adstrita na mesma região da unidade.” (Belo Horizonte, 2006). Ou seja, os profissionais dos Centros de Saúde deverão acolher e cuidar de um contingente significativo de usuários do SUS, incluindo as pessoas com sofrimento mental.Segundo dados da OMS, citado em documento do Ministério da Saúde (Brasil, 2003), 3% da população mundial apresenta ‘transtornos mentais severos’, o que no Brasil significa em torno de 5,7 milhões de brasileiros. Os ‘transtornos mentais leves’ se apresentam em 9%, representando aproximadamente 17,1 milhões de brasileiros com “queixas psicossomáticas, dependência de benzodiazepínicos, transtornos de ansiedade menos graves, etc, que procuram pela Unidade Básica de Saúde (UBS) de sua área de referência.” (Brasil, 2003).A busca pela consolidação e expansão da estratégia política e de assistência do SUS, através da Saúde da Família, vem passando, além dos êxitos, por inúmeras dificuldades, principalmente no que se refere aos recursos humanos e a gestão do trabalho. O que se soma à complexidade do atual contexto político da assistência SUS, que busca integrar atenção a saúde mental à rede de assistência de Atenção Primária. Essa atual diretriz política se formaliza através do trabalho compartilhado entre os profissionais especialistas da saúde mental com os generalistas da SF, através de reuniões sistemáticas de matriciamento,  que acontece pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família, ou através de reuniões entre equipes de saúde mental (presentes em 67 Centros de Saúde do SUS-BH).A pesquisa teve como principal objetivo compreender relações entre as diretrizes políticas de saúde, o trabalho realizado em saúde mental na UBS e a subjetividade dos profissionais das equipes- Saúde da Família e Saúde Mental, alocados nos Centros de Saúde. Desenvolvemos a pesquisa através de análise documental das políticas de saúde e com entrevistas coletivas fundamentadas na Psicodinâmica do Trabalho. A pesquisadora participou de reuniões de matriciamento, momento que se propõe ao apoio técnico-assistencial de especialistas aos profissionais generalistas da SF, e de reuniões de equipes em três Centros de Saúde do Distrito Sanitário Nordeste de Belo Horizonte, ao longo do ano de 2010. Retornamos, no ano de 2011, nas três UBS para discutirmos a análise realizada, quando pudemos compartilhar as estratégias elucidadas pelos grupos participantes e aprimorarmos as análises.Das análises realizadas, destacamos as contradições das políticas de saúde: uma sobrecarga de trabalho com ‘o sofrimento social’, as ‘pessoas infelizes’, os ‘poliqueixosos’, os ‘neuróticos leves’ que procuram a UBS, pois esta, segundo os programas é ‘porta de entrada aberta’ no SUS. Entretanto, a rede da Atenção Básica e a rede de serviços substitutivos em saúde mental devem priorizar os ‘casos graves e crises psiquiátricas’. Na avaliação dos profissionais há escassez de ‘unidades, equipes e formação’. Limites que dificultam a participação dos generalistas da Saúde da Família nas reuniões de matriciamento com os especialistas da saúde mental, para se capacitarem quanto ao acolhimento das demandas ‘específicas, complexas e crescentes’ da saúde mental. Outro destaque dado foi relativo à lógica de gestão produtivista que adentra a administração da rede de assistência do SUS, implicando em exigências quantitativas quanto à ‘visitas domiciliares, consultas e prescrições’, em contraposição à diretriz do acolhimento.As ressonâncias desse trabalho na subjetividade dos trabalhadores são diversas, dentre as quais ressaltamos: o ‘sentimento de impotência’ frente ao ‘sofrimento social’ que se apresenta na UBS; ‘insegurança e ansiedade’ em relação às exigências da gestão quanto ao ‘acolhimento humanizado’ e a avaliação quantitativa de tarefas realizadas. Os trabalhadores estão implicados em promover a saúde mental na Atenção Básica mesmo com recursos escassos. O que faz valer as políticas de saúde para nós cidadãos brasileiros, na direção dos princípios universais do SUS: uma atenção integrada, universal e equânime. Paradoxalmente, a conjuntura política e de gestão do trabalho, analisados, potencializam riscos a saúde de trabalhadores que se encontram entre angústia, ansiedade e inseguranças frente à crescente e complexa demanda de saúde mental na ‘porta de entrada do SUS’: o Centro de Saúde.

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