ARTICLE
TITLE

Diversidade e Controle: Dilemas da Avaliação e do Curriculo?

SUMMARY

Como articular a valorização da diversidade cultural de alunos, professores, gestores e instituicoes educacionais em planos norteadores de politicas e práticas curriculares e avaliativas? Em que medida a avaliação assume papel de enriquecimento individual e coletivo, fornecendo indicadores de aspectos positivos e aqueles a serem aprimorados ou, ao contrario, homogeneiza e cerceia a produção curricular diversa, autônoma e promovedora do potencial humano?Tal questao, longe de ser retorica, pode ser norteadora da analise que fazemos de perspectivas curriculares e avaliativas na contemporaneidade. Tal qual um equilibrista na corda-bamba, a avaliação poderia trabalhar as tensoes entre a importância do controle da qualidade educacional e a visao desta mesma qualidade em termos dos contextos culturais plurais em que atuam as instituicoes educacionais, incluindo as de formação de professores, de modo a respeitar e valorizar projetos criativos, plurais e cidadãos.Entretanto, o que se observa e que, em tempos de supervalorização da produtividade e de comparacoes mundiais de resultados em instrumentos homogeneizadores, relativismo e universalismo passam a ocupar extremos de um espectro, ao inves de, conforme argumentamos, serem mutuamente fertilizadores de equilibrios negociados e dialetizados nas trajetorias educacionais. Os extremos do binômio controle/valorização da diversidade, ou mesmo o mencionado universalismo/relativismo, quando interpretados de forma congelada, essencializada, acabam por silenciar os movimentos hibridos, mesticos, entre processos curriculares e avaliativos mais amplos e suas traducoes e criacoes nos espacos culturais locais.Desta forma, analises hibridas podem oferecer lentes criativas que passam a captar possibilidades de dialogos entre pluralismo e diretrizes gerais de cidadania cidada e nao reduzida a parâmetros inflexiveis. Podem, desta forma, representar possibilidades intermediarias, analisando o hibridismo de discursos, as relacoes de poder que resultam em vozes representadas e aquelas silenciadas no contexto das politicas e práticas avaliativas e aquelas curriculares, conforme tambem discutido em estudos desenvolvidos por autores tais como Candau (2014), Lopes e Macedo (2011) e Moreira (2013), este último destacando, inclusive, parcerias entre instituicoes de ensino superior e gestores e outros atores educacionais de escolas e sistemas de ensino. Tais analises, conforme propomos aqui, passam a focalizar o rigor tecnico sem desprezar contextos culturais e politicos, articulando dimensoes tecnicas, culturais e politicas no curriculo e na avaliação.O rigor na pesquisa e na avaliação, nesta visao, fornece bases para a analise e para a elaboração de politicas curriculares e avaliativas que nao necessitam recair em logicas binarias, mas que possam analisar em que medida diretrizes mais amplas apresentam espacos de efetiva valorização das identidades plurais, sejam individuais, coletivas ou institucionais. Nesta perspectiva, projetos curriculares plurais passam a ser valorizados, assim como o protagonismo dos atores educacionais e a autonomia das instituicoes, o que se reflete em processos de avaliação para o crescimento, para a correcao de rumos, para a celebração da diversidade, incluindo, por exemplo, a identidade de genero (POLLARD, 2012).Para tal, processos avaliativos valorizam os atores escolares – coordenadores, gestores, professores – como mediadores culturais, tradutores de propostas curriculares no chao da escola, articulando o local ao nacional e ao global e efetuando sinteses criativas nessa tradução, e produzindo identidades institucionais que sao efetivamente valorizadas na avaliação.Sinalizacoes deste horizonte no curriculo ocorrem, porem podem vir a ser silenciadas se a valorização curricular da diversidade encontrar mecanismos de avaliação voltados exclusivamente à mensuração de produtos, constrangendo projetos coletivos emancipatorios, fazendo com que a pluralidade fique proclamada, porem sufocada.A tensao descrita perpassa, ainda que de forma indireta, os artigos deste volume da Revista Ensaio. O olhar sobre a avaliação aqui defendido esta longe da neutralidade, sendo fruto de trajetoria de valorização do múltiplo, do plural e do diverso, sem recair em um relativismo total, tanto nas concepcoes curriculares, como avaliativas. Trata-se, pois, de um entre muitos possiveis olhares sobre o objeto avaliativo e a produção do conhecimento sobre o mesmo. E o fio condutor de nossa analise.Neste sentido, em maior ou menor grau, os estudos apresentados neste volume tratam ora de uma perspectiva mais ampla avaliativa, ora da diversidade identitaria de atores escolares e sua representatividade (ou nao) nos processos locais e naqueles expressos nas referidas politicas mais amplas.Em “A influencia do genero nas salas de aulas de ciencias: um estudo com docentes e estudantes de 9º ano”, Margarida Oliveira, Pedro Reis e Luis Tinoca analisam, no contexto de Portugal, mais especificamente no espaco micro da escola, a identidade de genero e as diferentes abordagens de meninas e meninos do 9º ano na aprendizagem de Ciencias. Tal leitura permite vislumbrar a importância da identidade de genero na concepcao curricular, assunto que, na nossa realidade, foi objeto de polemicas e que acabou infelizmente silenciado na politica curricular, refletindo formas pelas quais desenhos curriculares embutem relacoes de poder que acabam por silenciar a questao da diversidade. O artigo em pauta analisa como, apesar do aumento de mulheres como agentes de mudanca, acoes pedagogicas que ignoram as identidades de genero acabam por excluir a identidade feminina, resultando em seu menor sucesso em avaliações. Ainda que se tenha que ter cuidado com a homogeneização dentro da propria concepcao da identidade coletiva de genero no artigo em questao, seus meritos estao na forma em que a diversidade na sala de aula deve ser reconhecida na pratica curricular de modo que avaliações de larga escala nao acabem por prejudicar a equidade e identidades femininas devido a abordagens que as ignoram.No artigo de Elena Merzon, Yury V. Senko e Elena V. Salimullina, “Festival of school teachers as a practice-oriented form of improving teachers skills”, mais uma vez o espaco micro e valorizado, assim como projeto diversificado pelo qual a formação continuada docente e incentivada. Fala de um festival, que poderia ser traduzido como encontro de culminância, no espaco escolar, voltado à celebração de projetos inovadores de professores, promovendo trocas de experiencias e ideias na Rússia, em um paradigma humanitario. Ainda que se ressinta de uma maior contextualização que possa identificar o sistema educacional mais amplo russo onde a experiencia se desenvolve, o artigo mostra, sob o ponto de vista psicologico, formas de apoio dos professores, que desenvolvem processos colaborativos e de empatia, promovendo o aprendizado nas diferencas, aspecto ressaltado para que um ambiente institucional positivo possa vir a se refletir em resultados avaliativos futuros.No terceiro artigo: “O que e um bom resultado? Inquirindo o senso de avaliação e suas articulacoes curriculares no municipio do Rio de Janeiro”, Rita de Cassia Frangella e Juliana Camila Barbosa Mendes analisam, de forma critica, as conexoes e articulacoes entre as determinacoes curriculares e avaliativas da Rede e os constrangimentos que acabam por impingir na produção curricular. Tal fato se da, na perspectiva das autoras, na medida em que a existe uma concepcao de avaliação reduzida a uma cultura de testagem, o que acaba por promover constrangimentos à produção curricular local, que termina por se submeter a esta cultura de accountability. Questionam, assim, sobre o que seria considerado um bom resultado: seria aquele limitado ao fato de alunos tirarem notas altas em provas de larga escala da rede? Na medida em que o estudo ouve as vozes de coordenadores sobre a questao, fica patente a distância entre processos avaliativos voltados apenas a produtos homogeneizados da aprendizagem e projetos plurais de escolas e de seus atores.No quarto artigo, “Diagnosticos da escolarização basica: um confronto de perspectivas”, Alceu Ravanello confronta perspectivas no diagnostico da educação basica, como sucesso-fracasso escolar, inclusao-exclusao escolar, igualdade-desigualdade, direito-divida educacional. Ainda que nao seja de forma explicita, o ensaio em questao desafia os primeiros binômios citados e defende os últimos, instigando a se pensar em que medida a diferenca tem ou nao sido tratada de forma a se pensar tambem na desigualdade produzida. Realiza um levantamento de artigos e ensaios que tratam dessas questoes, reforcando, de forma implicita, que devem ser levadas em consideração de modo a que avaliações nao terminem por reforcar a referida desigualdade.Cabe salientar, de forma construtiva, que a concretização das diferencas e das desigualdades a que se refere o ensaio poderiam, caso explicitados, fornecer pistas para se pensar nas articulacoes entre construcoes identitarias raciais, etnicas, de genero e outras e propostas curriculares e avaliativas voltadas, justamente, ao desafio a desigualdades. Por outro lado, o merito do estudo da-se na medida em que chama a atencao para que perspectivas menos criticas a respeito das diferencas nao acabem por ocultar as desigualdades produzidas, que acabam por se refletir em fracassos escolares.Em “Diseño y construcción de un instrumento de evaluacion de la competencia matematica: aplicabilidad practica de un juicio de expertos”, Ramon G. Perales analisa, a partir de uma perspectiva tecnica e universalista, um instrumento avaliativo de competencia matematica, de modo a proceder a validade do conteúdo de questoes, nesse instrumento.Ainda que nao se refira à diversidade, pois e voltado às competencias, o artigo nao despreza o conteúdo socialmente valorizado da matematica, ai estando sua contribuicao. No sentido que temos defendido, a dimensao tecnica da avaliação, por meio do aprimoramento de seus instrumentos avaliativos, e relevante, principalmente se articulada a processos avaliativos e curriculares que nao se resumam a visoes homogeneizadoras. Em termos das tensoes que informam o fio condutor do presente editorial, ainda que questoes tecnicas na elaboração de instrumentos de avaliação de larga escala sejam pertinentes, trata-se de ter o devido cuidado de modo a que a analise das competencias matematicas, a partir do PISA, conforme expresso no presente artigo, nao desequilibre a articulação universalismo-diversidade, o que pode ser um alerta para desdobramentos da analise tecnica aqui realizada.Em “The right to diversity in the route of interculturality in the school curriculum”, Ana Maria Eyng, Glaucio Luiz Mota, Mônica Luiza Simiao Pinto e Cleumir Sehn retomam o direito à diversidade nas práticas curriculares, desta feita com foco na identidade com marcador na religiosidade. Os autores partem da centralidade da formação identitaria nesta perspectiva, enfatizando a importância de negociacoes culturais de modo a se desafiarem preconceitos.Mais uma vez, observa-se a estreita relação entre curriculo, relacoes de poder, diversidade e, de forma implicita, a avaliação, mostrando de que forma a religiosidade acaba por representar ponto de tensao ou possivel aproximação, com repercussoes no desenvolvimento curricular e na aprendizagem.Em “As redes de educação integral no Distrito Federal sob o prisma da gestao escolar”, os autores analisam a educação integral e a educação em tempo integral como conceitos complementares, a partir do olhar dos gestores educacionais.O foco sobre tais discursos coloca em relevo as potencialidades, mas tambem as limitacoes no espaco escolar para tal educação, defendendo a ampliação da jornada para favorecer a inclusao e aproximar os tempos da vida e os tempos da escola. Mostra o quanto necessitamos avancar para que esse ambiente escolar reflita a diversidade e promova a verdadeira inclusao para a equidade educacional.Remo Moreira Brito Bastos, em “O papel dos testes padronizados na politica educacional para o ensino basico nos Estados Unidos”, volta-se à avaliação padronizada, criticando ideologicamente os fundamentos que seriam alinhados a uma visao neoliberal da educação.Ao contrario de mergulhar em aspectos tecnicos, o texto alerta para os efeitos perniciosos de uma perspectiva de avaliação de larga escala que nao leve em consideração os movimentos institucionais, de modo a que nao se considere este tipo de avaliação como panaceia para a qualidade educacional.No artigo “Politicas Públicas em Educação Superior a Distância – Um estudo sobre a experiencia do Consorcio Cederj”, Georgia de Souza Assumpcao, Alexandre de Carvalho Castro e Alvaro Chrispino abordam a educação a distância sob o prisma de que pode representar a inclusao e a democratização do ensino, sendo que o consorcio em tela atinge 92 municipios, promovendo a expansao do ensino superior. Trata-se de artigo que fornece dados descritivos a respeito dessa modalidade de ensino, podendo suscitar reflexoes, a partir desses dados, que possam caminhar no sentido de lutar para que tal modalidade nao represente empobrecimento ou homogeneização, mas sim espaco alternativo para a inclusao social.Finalmente, Lucimar da Silva Itelvino, Priscilla Rezende da Costa, Maria da Gloria Gohn e Claudio Ramacciotti abordam, em seu texto “Formação do Empreendedor Social e a Educação Formal e Nao Formal: Um Estudo a partir de Narrativas de Historia de Vida”, assunto relativo a formas de aprendizagem que resultam em liderancas positivas nas instituicoes e organizacoes. Ainda que nao focalizem diretamente em gestores educacionais, a analise das historias de vida relatadas pelos empreendedores escolhidos no estudo pode oferecer pistas que ajudem a discernir aspectos relevantes para que se caminhe na direcao de gestores comprometidos com a diversidade, com a sustentabilidade e com a justica social, em espacos educacionais tambem.Considerando o papel central que tais gestores possuem no espaco intraescolar e em instituicoes educacionais em geral, de modo a promover a diversidade e o potencial de todos os atores, o artigo fornece contribuicoes que podem vir a ser exploradas no sentido da formação desses mediadores institucionais, o que pode vir a ter consequencias positivas no desenvolvimento curricular e na avaliação.Retomando o fio condutor do presente editorial, observa-se que os artigos aqui reunidos mostram ora a relevância de aspectos tecnicos na avaliação, ora a centralidade da diversidade tal como expressa nas questoes de genero – cuja relevância e apontada por Pollard, 2012, citada no inicio deste editorial –, de religiosidade, de propostas plurais no interior de projetos da escola e de seus atores, tais como professores e gestores (defendidas em estudos de Candau, 2014; Lopes & Macedo, 2011 e Moreira, 2013, d, dentre outros, igualmente anteriormente referenciados neste editorial), de estrategias relevantes para a formação de gestores, dos tempos e da qualidade da educação integral e nos discursos de atores educacionais, verdadeiros mediadores culturais, forjadores do cotidiano escolar. Demonstram, em seu conjunto e complementaridade, que o binômio diversidade e homogeneidade em processos avaliativos esta longe de ser resolvido, tanto no Brasil como em outros paises, como Portugal ou Estados Unidos. Mostram que ha possibilidades criativas no interior das escolas, como na experiencia na Rússia. Demonstram os impactos das identidades de genero, de religiosidade, dentre outras, na construção do conhecimento e do cotidiano escolar.Ora enfatizando aspectos micro da diversidade, ora reduzindo o foco a aspectos tecnicos para assegurar qualidade de instrumentos avaliativos de larga escala, os artigos parecem apontar para a necessidade de futuros estudos que, na otica aqui desenvolvida, possam aprimorar formas de articulacoes em que a diversidade seja respeitada, mas que preconceitos contra pesquisas e avaliações quantitativas possam tambem ser desafiados, passando-se, desta forma, das denúncias para novas fases de anúncios. Indicam a urgencia em se pensarem em politicas curriculares e avaliativas que, ao mesmo tempo em que possam aprimorar dimensoes tecnicas em larga escala para assegurar a qualidade da educação, nao negligenciem o que ocorre no interior das escolas plurais, deixando espaco amplo para instrumentos que valorizem a cidadania e a diversidade de vozes de identidades plurais no interior da escola.Boa leitura!!!!

 Articles related

Sirlene Aparecida Carvalho Bezerra, Adriane Vieira    

A intensificação da movimentação das empresas e de pessoas ao redor do mundo tornou-se cada vez mais constante e valorizada, fazendo surgir uma espécie de nomadismo organizacional e profissional.  Nesse cenário não é apenas a vida profissional dos t... see more


Samira Lima da Costa    

 O presente artigo tem como proposta discutir de que formas a garantia de direitos sociais se constitui e se sustenta (ou não) junto aos Povos e Comunidades Tradicionais, tanto nas proposições das políticas públicas quanto nas dinâmicas cotidianas d... see more


Clara Brener Mindal,Ettiène Guérios    

Este artigo apresenta problemas, impasses, dilemas e pontos de tensão atuais na formação de professores para a Educação Básica em instituições públicas brasileiras. Os dados da pesquisa documental exploratória advêm de levantamento de teses registradas n... see more


Moisés de Melo Santana,Itacir Marques da Luz,Auxiliadora Maria Martins da Silva    

Este artigo reflete sobre os dilemas e as aporias subjacentes aos processos de implementação da Lei 10.639/2003 reafirmados na pesquisa “Práticas Pedagógicas de Trabalho com Relações Étnico-Raciais na Perspectiva da Lei 10.639/2003” na região NE II, envo... see more


Bruno Rodolfo Martins    

Este texto aponta para o tema da diversidade cultural e sua integração às propostas de intervenções pedagógicas a partir das aulas de educação física escolar. Procura indicar mudanças nas próprias referências que norteiam estas aulas e provoca questões c... see more