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ESTUDOS SOBRE CORPO, GÊNERO, SEXUALIDADE E CURRÍCULO

SUMMARY

As questões de Corpo, Gênero, Sexualidades vêm ganhando espaço nas análises e pesquisas educacionais, embora não com o ritmo ou a forma como estudiosas(os) feministas desejam e esperam. Questões e temáticas diversas, sob distintas perspectivas teóricas e enfoques metodológicos, situadas no campo da educação formal e não formal, concernentes a uma variedade de sujeitos, vêm sendo priorizadas e assumidas por educadores e educadoras, pesquisadores e pesquisadoras, espalhados em diversas universidades, escolas, núcleos e grupos de estudos de várias regiões do País. Nesse contexto, a organização deste Número Temático sobre Estudos sobre Corpo, Gênero, Sexualidade e Currículo da Revista Espaço do Currículo do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares (GEPPC), vinculado ao CNPq e ao Programa de Pós- Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal da Paraíba, constituiu-se num desafio e numa oportunidade de atender à demanda de socialização do conhecimento por meio da publicação de uma amostra de artigos sobre a abordagem da diferença no campo educacional, contribuindo para ampliar, desconstruir e ressignificar o debate, num momento em que distintos grupos se posicionam a favor e contra a inclusão dessas questões no currículo.Os textos aqui reunidos procuram estabelecer um diálogo com a multifacetada produção da área, a partir de diferentes posições disciplinares e teóricas e escolhas de objeto de estudo. Nesse sentido, reunimos estudos e pesquisas que analisam práticas formativas formais e não formais que abordam as questões sobre corpo, gênero e sexualidades em todos os níveis educacionais, bem como sua incorporação nos currículos escolares e não escolares e de formação de professores e professoras. A Seção Especial, de autoria da pesquisadora espanhola Alejandra Montané López, apresenta o texto “Transversalidad de Género: educación, formación y empleabilidad”, em que discorre sobre a situação da mulher na educação formal (básica e superior) e na formação profissional e continuada. Ao apontar o currículo oculto na escolarização e na formação e orientação profissional das mulheres, a autora destaca a importância da transversalidade de gênero na educação e da perspectiva de gênero na coeducação, já que, embora sejam quantitativamente bem sucedidas no sistema educacional, as mulheres continuam em situação de desigualdade na educação profissional e superior e no mundo do trabalho. Considerando que a empregabilidade é um conceito situado, e que múltiplos eixos de diferença atravessam os sujeitos e impactam suas possibilidades de desenvolvimento laboral, argumenta que a nova e complexa realidade do trabalho requer novos olhares, saberes e habilidades complexas, como as femininas. Enfim, propõe e explicita um modelo formativo, baseado em competências laborais informadas pela perspectiva de gênero.A seção de artigos conta com seis textos que propõem refletir e analisar diferentes dimensões das temáticas do corpo, gênero, sexualidade e currículo. No primeiro artigo, intitulado “Entre o que se sabe e o que se faz: como os/as docentes têm se posicionado diante de práticas excludentes de gênero no contexto escolar?”, Ana Cristina Batista de Souza Rosa, Daiane Lins da Silva Firino e Maria Eulina Pessoa de Carvalho discutem a formação continuada de docentes na temática de gênero e as possibilidades de mudanças na prática docente. As autoras analisaram como os/as cursistas do Curso de Especialização Gênero e Diversidade na Escola - GDE têm se posicionado no contexto escolar diante do desafio de desconstruir práticas excludentes de gênero. E concluem que se faz necessária uma maior reflexão por parte dos/das docentes para que se posicionem criticamente diante de práticas excludentes de gênero.Na sequência, no artigo “Educação, gênero e sexualidade: percursos e instabilidades do fazer-se pesquisadora/pesquisador-professora/professor”, Fernanda Figueredo dos Santos e Marcos Lopes de Souza apresentam e discutem as provocações, os conflitos e os prazeres do produzir-se como docente e pesquisador/a em uma intervenção pedagógica sobre corpo, gênero e sexualidade realizada na disciplina de Ciências em uma turma de Educação de Jovens e Adultos no município de Jequié-BA. Identificam questionamentos e processos de vigilância quanto ao gênero e à sexualidade do/a docente que se “arrisca” a discutir a temática, e a exigência de um padrão heterossexual da/o professora/professor. Por outro lado, mostram como a intervenção influenciou algumas/alguns discentes em direção ao reconhecimento das diferenças e das consequências advindas dos processos discriminatórios, como a homofobia.Por sua vez, o artigo “Gênero e formação docente: reflexões de uma professora”, de autoria de Jeane Félix, traz reflexões tecidas ao longo de sua trajetória como docente e como assessora técnica em órgãos da gestão federal, responsável por acompanhar ações de formação docente inicial e continuada, em diferentes cidades e regiões do país. A autora argumenta sobre a importância de incorporar a perspectiva de gênero na atuação docente, a partir de dimensões de saber-fazer, num esforço teórico-prático para formar professores/as capazes de intervir em situações de violência, desrespeito, preconceito. E mostra que existem desafios de diversas ordens a serem enfrentados conjuntamente pelas instituições de ensino superior, pelas políticas públicas e pelos/as próprios/as docentes visando a construção/invenção de espaços educativos mais plurais e menos desiguais.Em “Tu é menino, tu vai brincar de boneca, é?!” Relações de gênero na Educação Infantil”, Francisca Jocineide da Costa e Silva, Adenilda B. Alves de Morais, Karina Ingredy Leite da Silva e Maria Eulina Pessoa de Carvalho apresentam alguns resultados de um estudo realizado em um Centro de Referência de Educação Infantil (CREI) do município de João Pessoa-PB. A partir de observações e entrevistas, as autoras identificaram contradições e ambiguidades nos discursos e práticas das educadoras, as quais demonstram que possuem conhecimento da necessidade de tal política e prática, porém, ainda separam e discriminam as crianças por sexo e gênero. Concluem que, desde a gestão até a docência, falta conhecimento teórico sobre a problemática das relações de gênero e, consequentemente, sobre a importância de uma política curricular comprometida com a superação das desigualdades.Em seguida, o artigo “Marcas e aprendizagens da heteronormatividade em filmes infantis”, de Helma de Melo Cardoso, Anselmo Lima de Oliveira e Alfrancio Ferreira Dias, aborda a trilogia Toy Story com foco nas discussões do conceito de heteronormatividade. Com base numa análise ilustrada dos enredos e personagens, os autores argumentam que os filmes apresentam naturalizações dos comportamentos femininos e masculinos, demarcando padrões de comportamento de gênero socialmente aceitos, desde a separação de brinquedos de meninos e meninas até os papéis sexuais atribuídos a homens e mulheres. Em contraposição, percebem também que os filmes criam um espaço de subversão e de mudança nas configurações de gênero dentro do padrão heteronormativo.Fechando a seção artigos, Isaura Isabel Conte, no texto “Sexualidade e saúde na percepção do Movimento de Mulheres Camponesas”, aborda a concepção de sexualidade e saúde na perspectiva de mulheres do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). Para tanto, considera fundamentalmente a inserção das militantes em processos formativos, seus aprendizados e experiências coletivas nas lutas que desencadeiam e sustentam numa organização camponesa e feminista. A autora destaca que as mulheres camponesas estão se movendo da normatização à emancipação, modificando modos de pensar sobre si mesmas, seus corpos e sua sexualidade, rompendo estereótipos seja com relação ao corpo de mulher da roça, seja com relação aos atuais padrões de corpo feminino impulsionados pelo consumismo. Este número da REC apresenta a resenha intitulada “Menina ou menino? A construção social das identidades de gênero” de autoria de Francisca Jocineide da Costa e Silva. A autora resenha a obra Meninos e meninas: aprendendo sobre masculinidades e feminidades (2009) de autoria da pesquisadora do Reino Unido Carrie Paechter, que reflete, de modo amplo e detalhado, sobre as construções das identidades de gênero desde o nascimento até a juventude, sobretudo nos espaços familiares e escolares. Segundo Silva, a obra contribui para explicitar as construções e aprendizagens das identidades de gênero em diversas faixas etárias, sobretudo no espaço escolar, evidenciadas como um processo contínuo, inicialmente regulado por adultos até serem internalizadas pelos/as adolescentes como verdades; e para reforçar que as construções de identidades de gênero binárias e dicotômicas são socioculturais e podem ser transformadas, oferecendo várias sugestões de intervenções pedagógicas. A seção Socialização de Pesquisas PIBIC/PROLICEN é contemplada com o texto “Trajetória dos Núcleos de Estudos da Mulher e Relações de Gênero integrantes da REDOR”, de autoria de Mayanne Júlia Tomaz Freitas e Maria Eulina Pessoa de Carvalho. Nesta pesquisa, as autoras recuperam a trajetória e a memória dos núcleos e grupos de estudos de gênero articulados à Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero - REDOR. Argumentam sobre a importância da criação de núcleos, grupos e redes de pesquisa focados na temática para legitimar um novo campo de conhecimento, destacando a contribuição da REDOR para as regiões Norte e Nordeste, uma vez que propicia o intercâmbio de conhecimentos, no contexto da luta pela equidade de gênero.Por fim, são incluídos três resumos de trabalhos de conclusão de cursos de graduação focados nas temáticas do número, que ilustram o desenvolvimento de estudos sobre corpo, gênero e sexualidade na formação superior, particularmente na formação inicial docente: “É bom aprender”: discussões sobre gênero e diversidade sexual nos livros didáticos da educação de jovens e adultos”, de Francisca Jocineide da Costa e Silva; “Autoconceito de gênero em crianças da educação infantil”, de Karina Ingredy Leite da Silva; e “Ih!!! tem “viado, sapata...” Gênero e suas novas expressões na escola. E o que x pedagogx tem a ver com isso!!!? Uma análise na formação inicial de educandxs do Curso de Pedagogia/UFPB campus I nas temáticas de gênero e diversidade sexual”, de Antonis Pereira da Silva. Vistos em seu conjunto, os textos deste número proporcionam ao leitor um manancial de temas sobre os estudos sobre corpo, gênero, sexualidade e currículo, deixando entrever a riqueza desse campo de reflexão e sua capacidade de integrar diferentes domínios e de abrir o leque para uma multiplicidade de enfoques empíricos, deixando ao/a leitor/a pistas para retomar as questões teóricas à luz das diferentes realidades aqui tratadas. Consideramos que a exploração dessas temáticas no currículo constitui um desafio para todos/as interessados/as na produção de conhecimentos comprometidos com os direitos humanos e com valores inclusivos, criando um campo discursivo para a análise da contribuição desses estudos para uma cultura de pluralidade e igualdade na escola e além dela. Em todas as experiências relatadas faz-se presente o imaginário que revela o desejo de sermos outros/as em outro mundo, ou até mesmo de estar na fronteira, alargando-a.Boa leitura!

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